José Francisco dos Santos
Nossa atividade escolar sempre
esteve voltada, na maior parte dos seus esforços, para a educação intelectual,
para o aprendizado de informações acerca dos inúmeros aspectos da realidade. O
intelecto - a parte racional - ocupa-se com os juízos de verdade ou falsidade
acerca do que se afirma, e sempre foi considerado o elemento mais refinado e
nobre da nossa humanidade. Podemos chamar ao conjunto de regras que regem nossa
razão de “Lógica”. Mas, anteriores e mais importantes que os juízos de
verdadeiro e falso, estão os juízos de bom ou mau, que se referem àquilo que,
na conduta prática da vida, podem produzir benefícios ou malefícios ao
indivíduo e à sociedade. Trata do que é justo ou injusto, certo ou errado,
virtude ou vício. A essa área, costumamos chamar de “Ética”. A educação ética é
de importância capital. Já dediquei alguns artigos a ela, e percebo que o tema
está ganhando mais espaço na mente e no coração das pessoas, o que é um ótimo
sinal.
Mas há uma instância ainda mais
básica e anterior a tudo isso, que costumamos, com muito frequência, ignorar.
Trata-se da dimensão mais diretamente sensível da nossa experiência, o modo
como primeiro captamos os dados que nos chegam aos sentidos, como estes afetam
nossa alma e marcam nossos afetos. A essa área podemos chamar de “Estética”.
Embora a palavra tenha significados derivados e específicos, refiro-me aqui ao
estudo desse componente da nossa psique, que forma nossas primeiras impressões
sobre o mundo (e me parece bastante válida a máxima segundo a qual a primeira
impressão é a que fica). A sensibilidade está na raiz da nossa percepção, e os
juízos que ela emite (belo/feio, agradável/desagradável, prazeroso/doloroso)
constituem também, de certa forma, o alicerce das nossas concepções éticas e
intelectuais.
Como sujeitos reais e práticos,
somos o resultado da constituição dessas três instâncias em nós. Não adianta
saber intelectualmente um monte de verdades e não ter a sabedoria prática para
viver bem, do ponto de vista ético. Isso forma um ser humano partido. Do mesmo
modo, parece-me impossível, ou pelo menos difícil demais, uma conduta ética
genuína sem uma sensibilidade bem orientada. Desse modo, a estética deveria ser
a preocupação fundamental da educação das crianças. Mas aqui se coloca a grave
questão que intitula esse artigo: é realmente possível educar o gosto, ou seja
, uma educação estética é viável? Em que medida?
Não pretendo fornecer aqui uma
resposta simplória, mas sim trazer o leitor interessado para o coração de uma
genuína pergunta filosófica. Estamos diante de uma área da realidade que nos
instiga, traz-nos um problema que excita nossa mente a refletir. Primeiro, para
compreender o problema, depois, para verificar se ele é mesmo relevante e, posteriormente,
para tentar buscar respostas. Em filosofia a pergunta é muito mais importante
que a resposta, pois uma boa pergunta nos tira da comodidade e nos coloca
diante de um problema que exige análise e reflexão. Essa é a alma da filosofia.
Daí, não adianta simplesmente repetir a resposta deste ou daquele teórico, mas
avaliá-las à luz da realidade para acatá-las ou não, ou, ainda melhor, propor
outra ideia que pareça mais adequada. Esse é também o espírito da verdadeira
ciência.
Pois bem, o artigo de hoje não
poderá fazer nada mais que levantar o problema, pois a página já está acabando.
Mas, se conseguir deixar alguns leitores com a pulga atrás da orelha, já terá
atingido o objetivo. Na sequência, procurarei desenvolver melhor a ideia, na
esperança de que isso não fique cansativo demais. Mas posso ainda aventar um
efeito negativo do que chamo de “má educação estética”. As músicas e imagens
apelativas, que excitam a sensibilidade das crianças, desenvolvem nelas, cedo
demais, a sensualidade. A criança não tem capacidade de julgar nada disso do
ponto de vista moral, muito menos intelectual, mas sua sensibilidade capta,
armazena e desenvolve os estímulos, criando um certo “gosto” que, uma vez
estabelecido, marca a afetividade e terá forte repercussão na sua postura moral
e no seu desenvolvimento intelectual. Será que podemos fazer o inverso disso,
proporcionando experiências estéticas positivas, que contribuam para a formação
de uma personalidade mais integrada? Esta me parece uma questão de primeira
grandeza, à qual dedicarei mais alguns textos.
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