José Francisco dos Santos
Filósofo e Professor
Na
semana passada, assisti a um documentário sobre a construção da Catedral de
Colônia, na Alemanha, que ainda é o edifício gótico mais alto do mundo. A
imponente construção começou em 1248 e só foi concluída definitivamente em
1880. É extremamente admirável a coragem e a tenacidade de um povo que se
propõe a levantar uma obra dessa dimensão, ainda mais se considerarmos as
condições precárias, em termo de tecnologia e materiais, que uma construção como
essa enfrentava na Idade Média. Mas o
que mais me chamou a atenção foi a sabedoria de seu primeiro construtor, mestre
Gherard, quanto à importância de um fundamento sólido para a construção.
Gherard sabia que a catedral precisaria de praticamente a mesma quantidade de
pedras na sua fundação quanto a que seria utilizada na parte visível da
catedral. Assim, os subterrâneos da construção revelam colunas e galerias de
pedra que já são, por si mesmas, outra enorme construção. Estabelecida essa
base sólida, 160 toneladas de pedra puderam ser sobrepostas para formar o que é
hoje o edifício. Nem o bombardeio da segunda guerra mundial, quando a catedral
recebeu 14 ataques a bomba, foi suficiente para derrubá-la.
Isso
me fez lembrar uma parábola que fala sobre construir a casa sobre a rocha ou
sobre a areia. De fato, tudo que queremos construir deve começar pelo
fundamento. Às vezes os políticos se empenham em construir coisas grandes e
vistosas, mas querem colher os louros da inauguração antes que seu mandato termine.
Os resultados desastrosos todos conhecemos. É preciso enfrentar o ônus de
trabalhar embaixo da terra, gastar tempo e recursos naquilo que não será visto
pelos olhos, mas que será a base para construções efetivamente sólidas e
soluções permanentes. Se os construtores medievais de Colônia estivessem
preocupados em inaugurar sua catedral, teriam construído, no máximo, uma igreja
vistosa, da qual não haveria mais vestígios há muito tempo.
O
que se verifica na arquitetura pode ser analogamente aplicado à construção da
nossa humanidade. Na infância e na juventude, estabelecemos os fundamentos que
suportarão o que seremos na vida adulta. Da solidez do fundamento que
construímos depende a qualidade do edifício que seremos. Não é fácil nem
agradável construir uma formação intelectual, estética ou moral sólidas. Isso
exige tempo, dedicação e bons mestres, do mesmo modo como o exigiram cavar
enormes fossos e enchê-los de pedra para fazer uma catedral gótica na Idade
Média. Mas nunca teremos perdido o tempo ou o esforço despendidos na construção
de uma vida que vale a pena. Isso se mede pelas nossas leituras, pelas
renúncias que fazemos, pelo esforço em fazer o que é bom e necessário e não
apenas o que dá prazer. Nossos alicerces
definirão se seremos uma
catedral gótica, uma casa confortável ou um barracão de zinco.
É
claro que a nossa construção é quase tão demorada quanto a da catedral de
Colônia, de modo que estamos permanentemente em obras. Mas é preferível estar
em obras em vistas de um grande edifício que inaugurar cedo demais qualquer
casebre.
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