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José Francisco dos Santos
Filósofo e Professor
A recente polêmica envolvendo a reunião do
ex-presidente Lula com o ministro do STF Gilmar Mendes é um capítulo a mais
nessa estranha relação de poderes na república brasileira.
A divisão de poderes é uma das conquistas mais
importantes da filosofia iluminista e a independência e autonomia de cada um
deles são os fundamentos de uma democracia sólida. Quando os Estados absolutos
se firmaram em parte da Europa, no início da Idade Moderna, os reis
absolutistas deitavam e rolavam, porque exerciam um poder sem limites, podendo
fazer as leis que quisessem, tomar qualquer decisão administrativa e ainda
interferir no trabalho dos juízes. No Brasil imperial, o imperador tinha um
poder extra, chamado pela Constituição de 1824 de “Poder Moderador”, o que lhe
permitia interferir nos demais poderes. Mas mesmo ainda na Idade Moderna, na
Inglaterra, os reis não tinham tanta moleza assim. É que a tradição inglesa
impunha, no mundo jurídico, uma força enorme às leis que vinham dos costumes do
povo, a chamada “Common Law”, que os juízes ingleses tinham que seguir. Isso
funcionava como uma espécie de freio ao poder absoluto do rei. Como era
obrigado a seguir os costumes, tinha que reconhecer uma lei que não era posta
por ele, mas pela sociedade civil. Assim, o poder estava dividido e, ao
contrário do que acontecia na França ou na Espanha, por exemplo, os reis
ingleses nunca foram tão absolutos.
O filósofo francês Charles Louis de Secondat,
conhecido como Barão de Montesquieu, desenvolveu essa ideia na sua famosa
tripartição de poderes (executivo, legislativo e judiciário), afirmando que
essa divisão era fundamental para que houvesse algum tipo de controle do poder.
Como disse o historiador britânico John Dalberg-Acton: “O poder corrompe. O
poder absoluto corrompe absolutamente”.
Mas para que isso funcione, é preciso que cada poder
se atenha à sua atribuição, na medida em que isso seja possível. Já critiquei
nesta coluna o excessivo ativismo do STF, que frequentemente está definindo
regras que deveriam, pelo padrão de Montesquieu, ser definidas pelo Congresso
Nacional. Enquanto isso, o que fazem os deputados e senadores? Investigam.
Fazem o que é atribuição do poder executivo. As CPI’s fazem o trabalho da polícia,
enquanto os temas importantes que o legislativo deveria discutir ficam à
deriva. Não desconheço o que de importante já fizeram algumas CPI’s, mas
investigar deve ser trabalho do poder executivo, que o exerce através do
Ministério Público e da polícia. O legislativo pode denunciar, mas não deve, na
minha opinião, encabeçar o trabalho de investigação. Além do mais, essas CPI’s
são eivadas de interesses políticos, que frequentemente sobrepujam a busca pela
verdade.
Quando Lula tenta interferir no trabalho do
Judiciário, então a luz de perigo já não pode ser ignorada, e o coitado do
Montesquieu se revira no túmulo com tanta interferência indevida de um poder no
que é atribuição do outro.
Uma democracia só se consolida com instituições
fortes e independentes, que subsistem e cumprem seu papel, independente das
pessoas e dos interesses momentâneos. A República brasileira tem mais de 120
anos. Já está na hora de amadurecer.
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