terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

É possivel educar o gosto?

José Francisco dos Santos
Nossa atividade escolar sempre esteve voltada, na maior parte dos seus esforços, para a educação intelectual, para o aprendizado de informações acerca dos inúmeros aspectos da realidade. O intelecto - a parte racional - ocupa-se com os juízos de verdade ou falsidade acerca do que se afirma, e sempre foi considerado o elemento mais refinado e nobre da nossa humanidade. Podemos chamar ao conjunto de regras que regem nossa razão de “Lógica”. Mas, anteriores e mais importantes que os juízos de verdadeiro e falso, estão os juízos de bom ou mau, que se referem àquilo que, na conduta prática da vida, podem produzir benefícios ou malefícios ao indivíduo e à sociedade. Trata do que é justo ou injusto, certo ou errado, virtude ou vício. A essa área, costumamos chamar de “Ética”. A educação ética é de importância capital. Já dediquei alguns artigos a ela, e percebo que o tema está ganhando mais espaço na mente e no coração das pessoas, o que é um ótimo sinal.
Mas há uma instância ainda mais básica e anterior a tudo isso, que costumamos, com muito frequência, ignorar. Trata-se da dimensão mais diretamente sensível da nossa experiência, o modo como primeiro captamos os dados que nos chegam aos sentidos, como estes afetam nossa alma e marcam nossos afetos. A essa área podemos chamar de “Estética”. Embora a palavra tenha significados derivados e específicos, refiro-me aqui ao estudo desse componente da nossa psique, que forma nossas primeiras impressões sobre o mundo (e me parece bastante válida a máxima segundo a qual a primeira impressão é a que fica). A sensibilidade está na raiz da nossa percepção, e os juízos que ela emite (belo/feio, agradável/desagradável, prazeroso/doloroso) constituem também, de certa forma, o alicerce das nossas concepções éticas e intelectuais.
Como sujeitos reais e práticos, somos o resultado da constituição dessas três instâncias em nós. Não adianta saber intelectualmente um monte de verdades e não ter a sabedoria prática para viver bem, do ponto de vista ético. Isso forma um ser humano partido. Do mesmo modo, parece-me impossível, ou pelo menos difícil demais, uma conduta ética genuína sem uma sensibilidade bem orientada. Desse modo, a estética deveria ser a preocupação fundamental da educação das crianças. Mas aqui se coloca a grave questão que intitula esse artigo: é realmente possível educar o gosto, ou seja , uma educação estética é viável? Em que medida?
Não pretendo fornecer aqui uma resposta simplória, mas sim trazer o leitor interessado para o coração de uma genuína pergunta filosófica. Estamos diante de uma área da realidade que nos instiga, traz-nos um problema que excita nossa mente a refletir. Primeiro, para compreender o problema, depois, para verificar se ele é mesmo relevante e, posteriormente, para tentar buscar respostas. Em filosofia a pergunta é muito mais importante que a resposta, pois uma boa pergunta nos tira da comodidade e nos coloca diante de um problema que exige análise e reflexão. Essa é a alma da filosofia. Daí, não adianta simplesmente repetir a resposta deste ou daquele teórico, mas avaliá-las à luz da realidade para acatá-las ou não, ou, ainda melhor, propor outra ideia que pareça mais adequada. Esse é também o espírito da verdadeira ciência.
Pois bem, o artigo de hoje não poderá fazer nada mais que levantar o problema, pois a página já está acabando. Mas, se conseguir deixar alguns leitores com a pulga atrás da orelha, já terá atingido o objetivo. Na sequência, procurarei desenvolver melhor a ideia, na esperança de que isso não fique cansativo demais. Mas posso ainda aventar um efeito negativo do que chamo de “má educação estética”. As músicas e imagens apelativas, que excitam a sensibilidade das crianças, desenvolvem nelas, cedo demais, a sensualidade. A criança não tem capacidade de julgar nada disso do ponto de vista moral, muito menos intelectual, mas sua sensibilidade capta, armazena e desenvolve os estímulos, criando um certo “gosto” que, uma vez estabelecido, marca a afetividade e terá forte repercussão na sua postura moral e no seu desenvolvimento intelectual. Será que podemos fazer o inverso disso, proporcionando experiências estéticas positivas, que contribuam para a formação de uma personalidade mais integrada? Esta me parece uma questão de primeira grandeza, à qual dedicarei mais alguns textos.

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