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Nossa vã filosofia
José Francisco dos Santos
Filósofo e Professor
Como
filósofo, não tenho nenhum interesse em desmerecer a filosofia, mas vale
registrar a famosa frase de Shakespeare, em que ele afirma que “há mais
mistérios entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”. Parece-me que
a essência da mensagem está em afirmar que nossa razão é limitada, e que há
muito mais coisas do que aquilo que podemos estabelecer pelo raciocínio lógico
e pelo método científico. Grandes filósofos e cientistas da história reservaram
um espaço para esse mistério, embora não tivessem deixado de desenvolver o
conhecimento a que era possível chegar pelas vias naturais da razão e da
experiência.
O
Iluminismo e o Positivismo, duas fortes tendências intelectuais das idades
moderna e contemporânea, quiseram nos afastar do mistério, com sua crença no
poder absoluto da razão e da ciência. Augusto Comte, o criador do positivismo,
afirmava que, com a ciência, a humanidade poderia se libertar dos mitos, da
religião e da especulação (vã) da filosofia. A ideia teve sucesso e muitos
ainda hoje estão sob os efeitos dela, mesmo que desconheçam os autores e as
circunstâncias em que foi engendrada.
Mas
o mistério continua a nos assombrar ou maravilhar, e sempre haverá espaço para
irmos além do que a razão e a ciência estabelecem, uma vez que seu conhecimento,
além de limitado, é também falível e provisório.
Nesta
última semana, assisti a um vídeo de uma reportagem que demonstra o quanto
ainda somos circundados pelo mistério, que insiste em desafiar nossa razão e
nossas explicações científicas. Trata-se da menina Akiane, nascida no estado
norte-americano de Idaho e que, aos doze anos de idade, já produz pinturas valiosíssimas
e impressionantes, tamanha é a maestria da sua arte, iniciada aos quatro anos
de idade. Sempre houve crianças prodígio nas artes, no conhecimento intelectual
ou na política, como Wolfgang Amadeus Mozart, Blaise Pascal ou Napoleão
Bonaparte. No Brasil, estima-se que há muitas delas, mas nosso sistema
educacional, dominado por teorias psicológicas que não conseguem abarcar esse
fenômeno, lhes dá pouca importância.
Akiane
é um desafio para nós. Como ela mesma se define, é como se tivesse vindo ao
mundo para levar mais esperança e fé para as pessoas. Certamente ela está aí
para nos provocar a irmos além das nossas limitações. Não apenas para crer no
que ultrapassa as explicações lógicas e científicas, mas também para instigar
nosso raciocínio a refinar suas perguntas e avançar nossa filosofia para
considerar o que ainda é apenas mistério. Foi com perguntas assim que os
primeiros filósofos gregos abriram caminho para o conhecimento científico que
temos hoje. Quando a filosofia se abre ao mistério, primeiro para maravilhar-se
com ele (segundo Aristóteles, a filosofia começa pelo maravilhamento) e depois
para tentar entendê-lo, não apenas não é vã, mas se torna poderosa ferramenta
para que compreendamos melhor a nós mesmos e ao mundo. Os mistérios da vida e do
universo estão presentes tanto nas coisas mais simples como nas que julgamos
mais extraordinárias. Maravilhar-se com eles é sinal de que estamos vivos e não
perdemos ainda a pureza essencial da nossa alma.
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