terça-feira, 24 de abril de 2012

O povo e a elite

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José Francisco dos Santos
Filósofo e professor

A palavra “aristocracia” designa o que é normalmente traduzido por “governo dos nobres”. A nobreza, desde os tempos antigos, era uma nata de privilegiados, que governavam as cidades antigas, ao lado dos reis. Nas antigas cidades da Grécia e nas primeiras fases da história de Roma, essa elite detinha um enorme poder. Quando os reis inventavam de se aliar aos chamados “plebeus” para desafiar o poder da aristocracia, costumavam “abotoar o paletó” antes da hora.  Os nobres eram considerados, de alguma forma, descendentes sanguíneos dos deuses, o que fazia deles naturalmente superiores às pessoas “comuns”.
No século V a.C, a cidade de Atenas experimentou um governo diferente, que ficou conhecido como “democracia”, e que permitia a qualquer cidadão ateniense (desde que homem, adulto e livre) participar das assembleias, opinar, votar. Registre-se que os grandes filósofos gregos não gostavam dessa democracia. Platão, descendente de uma família aristocrática, considerava-a o governo dos medíocres. Para ele, a cidade ideal seria governada por um filósofo. Aristóteles se inclinava mais para um tipo de monarquia constitucional. Ou seja, democracia nunca foi unanimidade, principalmente no meio intelectual.
Ora, a filosofia “iluminista” do século XVIII trouxe de novo à tona a ideia de que o poder vem do povo e que a soberania da nação é confiada aos governantes pelo consentimento de todos os seus cidadãos. Com isso, criou uma arma poderosa contra o mundo aristocrático do chamado Antigo Regime, o que era ótimo para a burguesia, mas abriu uma série de expectativas para o povo mais simples, o que frequentemente entra em choque com os interesses das elites econômicas ou intelectuais. A história dos séculos XIX e XX mostra como as elites burguesas controlaram rapidamente o poder, indicando que a tal “igualdade” prometida não era exatamente o que as massas imaginavam.
Também vieram os socialistas, que igualmente se consideram intérpretes da vontade do povo. A fúria com que as estátuas de Lênin caíram no fim da União Soviética, há vinte e poucos anos, e a falta de liberdade em Cuba permitem verificar que o socialismo é bem menos popular do que seus líderes gostariam que fosse.  Quando a vontade do povo contraria o pensamento das tais elites, a democracia se mostra desinteressante, já que o povo “quer errado”. O povo é contra o aborto, é contra invasões de terra, tem um senso religioso aguçado. Isso, segundo algumas “elites”, é sinal de despreparo e ignorância. Quando vejo o país adotando tantas regras que são contrárias ao pensamento e ao sentimento da maioria do povo, fico seriamente preocupado. Eu reconheço os inúmeros problemas do sistema democrático. Mas, com todo respeito a Platão, prefiro a vontade popular sendo ouvida que a prevalência de qualquer tipo de elite, sobretudo intelectual, porque costuma confundir ideologia com ciência e se deixa manipular facilmente por interesses escusos. Se ainda consideramos a democracia um valor a ser preservado, convém ficarmos mais atentos às manobras políticas dos que se consideram melhores e mais preparados. Do contrário, estaremos retornando ao governo de uma nova aristocracia, de nobreza pra lá de duvidosa.

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